SE EU MORRER, PERMITA QUE EU ME TORNE UMA MÁQUINA DE ESCREVER
Sou uma velha que tem a
alma jovem, eu amo as letras e tenho uma máquina de escrever como companhia, eu
a batizei como Velma. Nas madrugadas, nas noites chuvosas, nos dias de tédio, na
solidão, tristeza e felicidade, ela é a minha companhia.
Numa noite blackout na
cidade, o meu velho coração já não estava pulsando como antes, suas batidas
estavam lentas, então antes que o fim se pronunciasse, eu me sentei na cadeira
defronte a escrivaninha onde a Velma estava e olhei para o céu estrelado, aquele
céu que me deu inspiração milhares de vezes, passei a minha mão na máquina de
escrever e com meu último suspiro, olhei para o céu e fiz um pedido: Se eu morrer, permita que eu me torne uma
máquina de escrever.
Eu sei que as pessoas
dizem que objetos não tem vida, estão enganados, não olharam direito, não se
conectaram direito, não sentiram direito, existe vida na máquina de escrever.
Após a minha morte, os
meus filhos se desfizeram de tudo, inclusive da Velma, a minha velha amiga.
Alguns anos se passaram até que eu ouvi um barulho familiar, o barulho da
máquina de escrever, um rapaz bonito de olhar cansado passava as pontas dos
dedos nas teclas da máquina e que sensação boa, eu me senti viva de novo, o céu
me atendeu e aqui estou eu, uma máquina de escrever.
Ele me levou para casa e
logo começou a digitar, eu pude sentir tudo que ele sentia, a emoção e euforia,
as palavras dançavam junto com som que eu emitia, ele sorria e só parava de
escrever para tomar um gole de café. Ele é poeta, escridor, eu senti a sua dor, ele também é poeta do amor, nas
madrugas sombrias eu sou a sua companhia, nas noites de tristezas, eu sou o seu
consolo, as palavras ganham vida e a cada tecla que ele toca eu vibro, eu
sorrio, como é bom me sentir viva.
Ele me batizou de Aurora
e completou dizendo que “Aurora é aquela que brilha mais do que o sol”, que
rapaz gentil. Infelizmente os dias de alegria duraram pouco, a sua amada feriu
o seu coração, eu pude ouvir a discussão, no silêncio da madrugada enquanto
todos dormiam, ele estava acordado olhando para mim e se aproximou, o poeta do
amor, se tornou o poeta da dor, mas como culpa-lo se quem escreve é capaz de
sentir mais do que quem fala, cada pessoa sente de forma diferente, mas o poeta
da dor era exceção, ele sentia de uma forma sem igual, suas palavras digitadas,
seus pensamentos confusos e suas lágrimas no olhar eram intensas, carregada de
sofrimento e escuridão, quando ele digitou o último ponto final, o meu barulho
foi a última coisa que ele ouviu. Pobre rapaz de corpo novo e alma velha,
desfaleceu, caindo da cadeira e batendo a cabeça no chão.
Quando o dia raiou e a
sua amada voltou, o encontrou pálido e sem vida no quarto, ela o agarrou e
chorou, mas era tarde demais, o câncer que ele tinha o matou e a despedida
dessas duas almas repletas de amor, foi só sofrimento e dor. Com os olhos
marejados ela se aproximou de mim, leu o que ele escreveu e um sorriso triste
brotou em seus lábios, na carta que ele escreveu tinha escrito no final: Eu te amo!
E se eu tivesse outra
chance de viver, faria o mesmo pedido: Se eu viver, permita que eu seja uma
máquina de escrever.
-Nívea Alves
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