MULHER DE LATA
Aprisionada em uma torre cercada por água, a mulher de lata vivia sozinha. Seu coração era um relógio de corda, mas ela era especial. Apesar de não ser humana, tinha sentimentos. Seu criador a proibira de sair da torre, condenando-a a viver eternamente na solidão.
Na janela do seu quarto, no alto da torre, a mulher de lata observava, à noite, grandes sombras entre as árvores. Era um vilarejo, onde todas as noites havia festas. Eles faziam uma grande fogueira, dançavam, cantavam e se divertiam.
A mulher de lata adorava ouvir o som das risadas e dos instrumentos. Como as sombras das pessoas eram grandes, em sua cabeça de metal, ela imaginava que eram gigantes. Sendo assim, sentia-se segura no alto da torre, pois acreditava que os gigantes jamais se aproximariam ou sequer saberiam de sua existência.
Certo dia, a mulher de lata ouviu vozes próximas à torre. Com receio, olhou pelo canto da janela e viu um casal de humanos sentados na grama, sorrindo e olhando para a torre. Ela os observou e viu ambos tocarem os lábios. Em seguida, o rapaz e a moça se levantaram e disseram um ao outro:
— Eu te amo!
— Eu te amo!
A mulher de lata não compreendia o que ouvia. O que era o amor? Ela se recordou do que seu criador havia lhe dito:
— Jamais conheça o amor. Seu coração de corda nunca suportaria tamanho sentimento!
Mas ela não sabia o que era o amor, além da palavra. Será que esse tal amor era prender alguém, como seu criador fizera? Mas, se fosse isso, por que parecia tão diferente a forma como aquele casal se expressava? Sua cabeça de metal, cheia de parafusos, ficou confusa. Ver aquele casal tão feliz despertou dentro de si uma curiosidade imensa de descobrir o que era esse sentimento tão forte, capaz até de matá-la.
Dia após dia, a mulher de lata ficava na janela da torre, observando o que imaginava ser um bando de gigantes dançando e cantando felizes. Em um outro dia, o mesmo casal que jurava amor eterno decidiu atravessar a lagoa e subir a torre. Entraram de mãos dadas e subiram as escadas até o quarto onde a mulher de lata estava sentada numa cadeira, dando corda ao seu coração. Curiosos, se aproximaram e tomaram um susto ao vê-la viva. Gritaram quando ela se levantou; o susto foi grande, inclusive para a mulher de lata.
Mas, depois de alguns minutos, quando todos se acalmaram, o casal de humanos lhe disse:
— Somos do vilarejo que fica perto daqui!
A mulher de lata passou a entender que as sombras gigantes que via não eram realmente gigantes, como imaginava, mas sim humanos. Ela os observava com atenção, e eles a olhavam com estranheza. Afinal, apesar de parecer uma mulher, era feita totalmente de metal — e viva.
Eles a convidaram para conhecer o vilarejo e, sem pensar duas vezes, ela disse:
— Sim.
Apesar de seu criador tê-la proibido de sair, impulsionada pela curiosidade e pelo desejo de conhecer pessoas e entender o amor, a mulher de lata acompanhou o casal.
Sua chegada ao vilarejo foi a pior possível. Todas as pessoas a olhavam assustadas, como se fosse uma aberração. Mas, entre todos que faziam cara de repulsa, um homem a olhou com ternura e, com um sorriso sincero, se aproximou. A cada passo que ele dava, o relógio que ocupava o lugar do coração dela girava os ponteiros sem parar. Seu corpo de lata tremia de forma descompassada. O rosto do homem por quem ela se apaixonou assim que o viu foi a última coisa que viu antes de seu relógio entrar em chamas e todo o seu corpo de lata queimar e derreter.
O amor foi sua morte. E foi a melhor coisa que a mulher de lata sentiu antes de se tornar apenas uma lata derretida.
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