UM OLHAR SÁBIO
(PROJETO: CONTO O QUE VEJO)
Deitado na calçada tudo
parece maior, o barulho, as pessoas, o som das vozes, as buzinas do carro e até
mesmo o jeito que pessoas se sentem superiores.
De noite é frio e eu não
tenho cobertor, busco restos de comida no lixo para saciar a minha fome e as
pessoas que passam por mim, me olham com repudio. O que eu posso fazer? Luto
todos os dias para sobreviver. A minha “cama” são papelões no chão e o meu
“cobertor” são sacolas que juntei durante o dia e as amarrei, me encolho no
chão e rezo, agradeço a Deus pelo pouco que eu tenho, adormeço em meio ao
barulho da cidade que não dorme.
Tem pessoas que passam
por mim e tapam seus narizes, eu sei que não sou dos mais cheirosos, mas
acreditem se eu pudesse tomaria um belo banho demorado, a minha falta de
higiene é falta de oportunidade, e opção, não tenho para onde ir, tão pouco
roupas limpas para vestir.
Eu vivo me locomovendo de
um lugar para outro. Eu peço dinheiro para comprar comida e ouço: “vai
trabalhar vagabundo! ”, eu abro um sorriso triste, as pessoas são tão egoístas
que não se dão o trabalho de olhar para mim, como de fato eu sou, se eu pudesse
eu trabalharia, não iria me humilhar por migalhas, mas eu confio nas palavras
sagradas “os humilhados serão exaltados. ”
Quando finalmente consigo
alguns trocados, corro para comprar pão na padaria, mas para minha frustração
boa parte das pessoas são todas iguais, o sorriso das pessoas daquele ambiente
some, dando lugar a olhares repulsivos. Eu tento não olhar para os que estão me
olhando de forma medíocre, mas é inevitável, mesmo que não falem nada, me
incomoda, saio de lá com a satisfação de ter uma alimentação.
Um cachorro vira-lata se
aproxima de mim, com olhar penoso e eu divido o meu pão com ele, eu sei o que e
passar fome, nenhum ser vivo, merece esse castigo.
Enquanto eu como, presto
atenção nas pessoas que passam de um lado para outro na calçada, escuto
reclamações de suas vidas, outras passam discutindo no celular e uma mulher
grita com o filho porque ele está pulando, e isso me fez perceber que por mais
que eu nada tenha nessa vida, eu sei agradecer, enquanto essas pessoas que tem
casa, roupas limpas, comida e dinheiro, são ingratas, tem tudo e só sabem
reclamar, pouco agradecem.
Eu era assim como todos
eles, tinha tudo e nunca achei que era suficiente, eu tinha uma família, antes
de eu deixar que o trabalho viesse em primeiro lugar na minha vida, minha
esposa me deixou, falou que eu era ausente, que eu não a amava, mas não é
verdade, eu sempre a amei, mas eu trabalhava para ter mais, sempre mais, foi um
golpe para mim, minha empresa falir anos depois, mas não foi somente a minha
empresa que faliu, mas a minha vida pessoal também desmoronou por completo. Eu
dava prioridade demais a coisas passageiras e esqueci de valorizar o que eu
tinha.
Eu nunca tive filhos,
porque eu sempre estava ocupado demais e falava que não era a hora certa, hoje
eu olho para trás e me arrependo, me arrependo de ter amado o luxo, e esquecido
de valorizar a família que eu tinha, fiquei depressivo, fui expulso de casa,
com o pouco que eu tinha eu me virei, até que um dia me dei conta que eu era rico
por fora e pobre por dentro. Todos em meu ambiente de trabalho me repudiavam,
mesmo eu sendo cheiroso, rico e limpo, eles fingiam se importar comigo porque
não queria perder seus empregos, ah, eu já fui tão prepotente, já humilhei
tantas pessoas, pisei nelas como baratas e hoje, eu me arrependo disso, mas
graças a Deus, eu conseguir ter um olhar sábio sobre tudo que eu vivi e sobre o
que eu posso mudar.
Não posso voltar atrás e mudar
o que aconteceu, mas eu posso pedir perdão e eu já tentei, mas as pessoas que
eu feri, não conseguem me perdoar, não as julgo por isso, mas eu já fiz tudo
que estava ao meu alcance e peço para que Deus as abençoe.
Abro um sorriso amarelo
ao olhar para o céu e percebo que a pobreza que existe em meu exterior, me moldou
e me fez ser rico por dentro. Eu aprendi com a dificuldade, eu sinto na pele
que as melhores coisas da vida não estão em bens materiais, mas em cada momento,
sozinho na rua, eu aprendi. Eu me surpreendo com um garotinho que passa por mim
e me dá R$ 10,00 seus olhos brilham e ele sorri, eu retribuo o sorriso e
agradeço, enquanto a mãe dele, fala o puxando:
-Saia de perto desse
mendigo, ele pode ter doenças!
O garotinho não se
importa com o que a mãe fala, se afasta de mim acenando e com o mesmo sorriso
nos lábios. Eu ganhei o dia com um simples sorriso.
Quando a noite chega, eu
uso meu braço como travesseiro, olho para o céu repleto de estrelas e numa
oração simples, digo:
-Obrigado, senhor, por
mais um dia e pelas lições importantes que me ensinaste!
Adormeço com a certeza
que dias melhores virão.
-Nivea Alves
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